sábado, 6 de agosto de 2016

Estamos transformando conflitos e diferenças em doenças? Diferença não é doença.


"Dessa forma, eu aconselho aos pais e educadores/as de que se o/a filho/a ou o/a aluno/a de vocês receberem algum rótulo ou diagnóstico procurem ver a história de muitos desses “supostos” transtornos e as controvérsias e polêmicas subjacentes a eles, a exemplo do TDAHA ciência não é neutra e em muitos casos, responde a interesses econômicos como a indústria farmacêutica, que está intrinsicamente aos processos de medicalização e a produção de muitos desses “supostos” transtornos." (Klessyo Freire) Foto: Ana Radchenko




Por Klessyo Freire*
Publicado neste blog em 06.agosto.2016
http://tdahcriancasquedesafiam.blogspot.com.br/2016/08/estamos-transformando-conflitos-e.html

Medicalização é o processo no qual questões sociais complexas são individualizadas através de uma lógica reducionista que expressaria um “suposto” adoecimento do organismo por não se adequar a um padrão estabelecido pela sociedade.
Enfim, escrevo essa introdução para me apresentar e falar um pouco da minha história, quebrando um pouco a ordem e a formalidade exigida em alguns espaços textuais. Me chamo Klessyo Freire, sou psicólogo, pesquisador e militante contra os processos de medicalização da educação e da vida e durante aproximadamente oito anos passei por um processo de medicalização que incluiu o diagnóstico do “suposto” TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção). Durante esse tempo fiz uso do Cloridrato de Metilfenidato e de alguns antidepressivos.
Quando tinha 15 anos eu questionava a escola e os seus padrões, não entendia porque tinha que aprender coisas que nunca usaria na vida. Eu gostava de ler sobre história, filosofia, como o mundo funcionava e etc. e chegava na escola e via um conhecimento que não me atraia. Era me dito “aprenda isso na escola para passar no vestibular, depois você não vai precisar de nada disso”, me fazendo questionar que escola é essa que traz um tipo de conhecimento utilitarista e que só vai ser usado para passar no vestibular?
Com isso, eu tinha enorme dificuldades com matérias exatas (principalmente matemática), não me despertava curiosidade aprender fórmulas prontas que eu não sabia como seriam usadas. Fui tetracampeão na recuperação em matemática, fui para a famosa “recu” na 8ª série, 1º, 2º e 3 º ano, bem como de outras matérias como física, química e biologia. Posso dizer que senti na pele a exclusão com aqueles que fogem à norma e não aprendem, sofrendo a exclusão de colegas e professores.
Nesse contexto, quando recebi o diagnóstico com 15 anos, ele veio com uma sensação de “conforto” por saber “o que eu tinha”. O problema é que o diagnóstico cola na gente feito cola, viramos TDAHs, TODs (Transtorno Opositor Desafiante), Disléxicos e etc. e silenciamos nossas angústias e questionamentos. Durante um tempo não me era permitido ficar triste porque tomava antidepressivos devido à minha oscilação de humor (depois fui perceber que muito dessa oscilação era causada pelo efeito do Cloridrato de Metilfenidato) e isso me causava um incômodo tremendo.
Acabei por internalizar por muito tempo o “tem algo errado comigo”, de forma que acabei ficando dependente e fazendo uso abusivo do Cloridrato de Metilfenidato. O início da desconstrução desse processo de medicalização teve origem quando comecei a cursar o curso de psicologia e entrei em contato com algumas discussões. Mesmo assim, persistia o discurso de que teria 'alguma coisa', sustentado em muitos casos inclusive pelas análises e psicoterapias que passei.
 A desconstrução desse processo culminou na minha entrada no Fórum de Medicalização da Educação e da Sociedade, quando comecei a militar contra os processos de medicalização, principalmente na escola. Atualmente, além do Fórum, eu tenho pesquisado e estudado os processos de medicalização, principalmente na escola e na saúde mental. A minha saída para isso tudo foi através do coletivo e da militância política.
Dessa forma, eu aconselho aos pais e educadores/as de que se o/a filho/a ou o/a aluno/a de vocês receberem algum rótulo ou diagnóstico procurem ver a história de muitos desses “supostos” transtornos e as controvérsias e polêmicas subjacentes a eles, a exemplo do TDAH. A ciência não é neutra e em muitos casos, responde a interesses econômicos como a indústria farmacêutica, que está intrinsicamente aos processos de medicalização e a produção de muitos desses “supostos” transtornos. A diferença não pode ser tratada como doença, vamos ver o tipo de sociedade que estamos produzindo e as relações opressivas dela que a escola tem reproduzido sistematicamente.
Portanto, encerro esse texto dizendo que acredito na educação como um espaço de potência e capaz de fazer frente às constantes violações dos direitos humanos (os processos de medicalização estão incluídos aí também) que assistimos no dia a dia. Como foi dito na poesia que escrevi acima, “onde existe opressão tem resistência”. Se a lógica da medicalização é estigmatizar, vamos subverter a ordem e coletivizar e tornar essa luta política, fazendo frente a muitos desses processos que estão presentes no dia a dia e nas políticas públicas.
Como dizia Raul Seixas no trecho da música carimbador maluco exposto abaixo, o preço a ser pago pela rotulo é grande.
“Tem que ser selado, registrado, carimbado/Avaliado e rotulado se quiser voar!/Se quiser voar/Pra lua, a taxa é alta/Pro sol, identidade,/Vai já pro seu foguete viajar pelo universo/É preciso o meu carimbo dando, sim"
Vamos lutar para que as pessoas possam voar e ir à lua sem carimbos, rótulos e sem pagar as altas taxas que lhe são exigidas. Por uma sociedade sem rótulos e que respeite as diferenças.

Rótulos
Pelo pai ausente que não pode comparecer

Trabalha em dupla jornada para sobreviver
Pelo hiperativo que não quer obedecer

Trocaram os seus professores sem ele saber
Pelo rebelde com problema de comportamento

Que ouve que é incapaz a todo momento
Moço, quando rotula não tem solução

Rotula, rotula, rotula, eduque a ação
Moço, quando rotula não solução

Rotula, rotula, rotula é medicalização
Pelxs professorxs e seus antidepressivos

Não importa as condições tem que ser podutivo
Pelas mulheres esperando na fila do parto

Cesária, quero nem saber está marcado
Pelo maconheiros, drogados e viciados

Jogados no frio da rua abandonados
Moço, quando rotula não tem solução

Rotula, rotula, rotula, eduque a ação
Moço, quando rotula não solução

Rotula, rotula, rotula é medicalização
Pelos favelados, safados e bandidos

Sofrendo todos os dias vários genocídios
Pelxs trans, lésbicas e gays

Agredidos todos os dias para eles não valem as leis
Pelas mães quer perdem seus filhos

Mortos e aparecem na tela como bandidos
Moço, quando rotula não solução

Desvela, perturba, desmedicaliza a ação
Moço, quando rotula não solução

Existe resistência onde tem opressão

*Klessyo Freire é psicólogo, pesquisador e militante contra os processos de medicalização da educação e da vida. Salvador - BA


Fonte: ProMenino
O conteúdo deste artigo pode ser reproduzido, desde que seja dado o crédito ao Promenino Fundação Telefônica.


Lembrete de Marise Jalowitzki
Caso seu filhote já esteja na medicação continuada dos medicamentos controlados, e você está pensando em parar, não suspenda por conta própria. Leia este lembrete:


 Marise Jalowitzki é educadora, escritora, blogueira e colunista.Especialista em Desenvolvimento Humano, defensora de uma infância saudável, antimedicalização. Escritora, blogueira e colunista. Palestrante Internacional, certificada pelo IFTDO - Institute of Federations of Training and Development, com sede na Virginia-USA. Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Fundação Getúlio Vargas. Criou e coordenou cursos de Formação de Facilitadores - níveis fundamental e master. Coordenou oficinas em congressos, eventos de desenvolvimento humano em instituições nacionais e internacionais, escolas, empresas, grupos de apoio, instituições hospitalares e religiosas por mais de duas décadas Autora de diversos livros, todos voltados ao desenvolvimento humano saudável. marisejalowitzki@gmail.com 
blogs:
www.compromissoconsciente.blogspot.com.br


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