terça-feira, 9 de outubro de 2018

Crianças, psicofármacos e o direito à voz




"De fato parece que não existem limites quando o assunto é a criação de novas categorias para novos medicamentos. Nas palavras de Quinet (2006), quanto ao aumento do consumo de medicamentos psicotrópicos, é oportuno questionar se, ao invés “de termos drogas cada vez mais eficazes para combater novos males decorrentes da transformação da sociedade, será que não são os ‘males’ que agora são criados e categorizados em novas síndromes para serem então tratados pelas novas drogas?” (p. 22).
Dessa forma, pode-se dizer que esse discurso é transportado para o terreno da subjetividade humana, o que implica refletirmos sobre a necessária adequação para se viver em uma sociedade onde impera ideais transformados em dever de bem-estar e de felicidade. (...)
A criança, segundo as ideias de “possibilidade” e “futuro” que permeiam a noção de infância como uma fase da vida, passou a corresponder à expectativa dessa conjunção representativa. Dito de outra forma, a criança passou a ter o dever de contemplar a demanda de ser comportada, brilhante e capaz (Priszkulnik, 2002). Uma concepção em que há uma sobreposição do conceito de criança, enquanto sujeito de uma fase que pode ser adaptada segundo os interesses de determinado conjunto histórico, cultural e social. 
Atualmente, com o aumento de receitas por psicotrópicos na infância, o que se evidencia é que a criança tornou-se um objeto privilegiado do discurso médico-neurocientífico que, como pretendemos salientar, passou a buscar sua supressão através do silenciamento de comportamentos em “desajuste”. Nessa sobreposição, o que ocorre é que a criança começou a ceder o seu lugar de sujeito (e isso pode ser feito graças às ferramentas técnico-científicas) em prol de uma adaptatividade impossível.
Desse modo, propomos a seguinte questão: Entre os psicofármacos e o silenciamento da subjetividade, não estamos diante da mesma concepção de infans, isto é, daquele que não fala? Frente a tamanhos avanços tecnológicos e científicos parece que estamos a retroceder a um tempo em que a criança não tinha direito à voz.


Excerto do original de ADRIANA SIMÕES MARINOPsicóloga, Psicanalista, Mestre em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP (IPUSP, membro do projeto de pesquisa A Psicanálise e a criança: a infância e o infantil (CNPq), do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Especialista em Psicopatologia e Saúde Pública na Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP). Faz formação continuada em psicanálise na Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL-SP) e graduação em Filosofia na USP (FFLCH).
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/5274/3867

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